sábado, 9 de junho de 2007

Conversando com Clarice


"Não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus."


"O cacto é cheio de raiva com os dedos todos retorcidos e é impossível acarinhá-lo. Ele te odeia em cada espinho espetado porque dói-lhe no corpo esse mesmo espinho cuja primeira espetada foi na sua própria grossa carne. Mas pode-se cortá-lo em pedaços e chupar-lhe a áspera seiva: leite de mãe severa."


"Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por que dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma."


"Ser um ser permissível a si mesmo é a glória de existir."



As últimas “pulsações” de Clarice foram publicadas postumamente em seu Um sopro de vida (1978), escritas em estado agônico, de beira- morte, espécie de beijo inútil, visto que dado em rosto já morto... Produto e produtor de um mundo cindido, o sujeito-Autor, paradoxalmente, constrói ruínas, estilhaços de texto que remetem a uma totalidade perdida. A melancolia aparece, simultaneamente, como causa e conseqüência do processo produtivo de uma consciência destroçada, já que rompida está a noção de sujeito como unidade indivisível. O título do livro, de configuração ambígua, antecipa os impulsos contraditórios que ecoam por todo o corpo de Um sopro de vida: o último sopro é resquício de vida, índice de resistência e do desejo de permanência, mas também prenúncio do fim, cartão de visitas da indesejável das gentes... Clarice Lispector, consciente da proximidade da morte, parece não negar sua chegada, contudo escreve, prolongando no tempo o sopro vital. A desagregação formal e o desejo suicida da personagem Angela Pralini acabam sendo um impulso comum: o da atração pelo nada. Assim, no seu sopro de vida, Clarice deixa-nos amargo testamento, difícil carga, saco pesado, legado intransferível de nossa negativa e miserável condição: Não – para falar sinceramente – não permita que o mundo exista depois de minha morte. Dou remorsos a quem eu deixar vivo e vendo televisão, remorsos porque a humanidade e o estado de homem são culpados sem remissão de minha morte.

2 comentários:

Adri Marchiori disse...

hummm.... então era aqui q tu escrevias... hehehe. só não curti essa fonte. beijos

Sabrina R. disse...

Pronto! Agora a fonte está mais legível...